terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Eva, minha Giannini Supersonic 67- 69

Começa hoje uma série de posts sobre guitarras antigas que adquiri. Foi mais de um ano que este blog ficou sem publicar e muita coisa ocorreu neste meio tempo, principalmente com instrumentos, cujas reformas, procura de peças, negociações, entre outras coisas, me tiraram o tempo de escrever aqui. Não só volto, entretanto, como retorno falando de muita coisa legal!
Resolvi começar essa série a partir de um sonho antigo. Desde que comecei a pesquisar sobre instrumentos antigos brasileiros, caí na graça, como tantos, da Giannini Supersonic. Esta guitarra é uma das mais simbólicas, se não o holy grail, das produções brasileiras antigas, por sua originalidade, qualidade e sucesso (sendo a primeira e principal guitarra do Edgar Scandurra, por exemplo). A história desse modelo no Brasil e de seus amantes merece um post especial, que, portanto, não aprofundarei aqui.
Voltando ao meu exemplar em específico, gosto de dizer que minhas guitarras preferidas não fui eu quem foi atrás delas, mas sim as próprias que vieram até mim. Na manhã do meu aniversário, estava despretensiosamente olhando o Facebook quando dei de cara com um anúncio de venda de corpo, braço, ponte e knobs de uma Giannini Supersonic do final da década de 60, período de produção mais prestigiado para este modelo. Foi a deixa para a compra do meu presente de 24 anos. Como se não bastasse tudo isso, o vendedor era ninguém menos que o excelente músico e aficionado por instrumentos brasileiros antigos Fernando Temporão, o qual tinha ouvido falar justamente uma semana antes nesta publicação do blog Minha Guitarra de Cedro do meu amigo e vizinho Gabriel Longhitano. As coincidências foram suficientes para afirmar que Eva, nome o qual batizei após literalmente sonhar com a guitarra com esse nome, veio até mim por puro instinto.
Foto do Fernando Temporão quando o braço estava à venda. Nota-se a escala bem suja


Corpo maciço em Cedro apenas envernizado (natural é a melhor pintura, sempre, no máximo um tingimento), braço em peroba muito gordo e redondo (melhor impossível), escala em jacarandá-da-bahia lindíssima, knobs e plate numerado que são a parte mais bonita da guitarra. Para completá-la comprei captadores Fender Pure Vintage 65’ (não vieram com os originais sextavados do Seu Vitório, infelizmente), que também merecem um post exclusivo, um lindo escudo creme feito pelo Rafael Lopes Luthier, elétrica 50s wiring com capacitor à óleo Cherry .47 uF, também nacional, potenciômetros Alpha e blindagem e tarraxas vintage Wilkison EZ Lok (foi complicado encaixar mas entraram). O nut e os trastes jumbo foram serviços da LPG Luthieria do sempre prestativo e gente fina Paul.


A guitarra tem um timbre bem aberto, mais do que todas as guitarras que tive incluindo a Etna, com corpo de Swamp Ash. Entendo os comentário do blog Loucos Por Guitarra quando afirmam a falta de médios do cedro, mas isso é fator importante para deixar o timbre mais aberto e cristalino do que em outras guitarras Fender. O braço de peroba, madeira duríssima, também deve ter papel importante nesta “abertura” de timbre. Eu particularmente gostei muito, sobretudo da posição braço+ponte (que nas strato de fábrica não existe, veja só) fora de fase que fica em algo entre telecaster e jaguar. A ponte original é big block em aço, que, junto ao corpo leve e provavelmente bem seco (afinal são 50 anos de história) fazem tudo vibrar intensamente e ter ótimo sustain. A guitarra respira e vive! Mais tarde consegui um case original da Giannini, de um modelo anterior da Supersonic, com o Gabriel Coriolano do blog Estúdio 218.
 
Essa é a história da Eva, minha senhora de 50 anos que me procurou para tomar um chá em casa e nunca mais saiu.


Até o próximo post!

Os Principais Componentes no Timbre de uma Guitarra II

Pouco tempo após o post “Os Principais Componentes no Timbre de uma Guitarra” a Guitar Player publicou um artigo sobre comprimento da escala. E eu não só me toquei que havia esquecido de citar esta característica no post, como fiquei ciente do quão mais importante ela é do que eu realmente achava. Pra quem não leu o post vale a leitura, mas, resumindo rapidamente, enumerei os principais aspectos que determinam o timbre de uma guitarra me baseando na tríplice coroa: Telecaster, Stratocaster e Les Paul, das quais derivam a enorme maioria das guitarras. Pois bem, hoje já posso dizer que o principal componente da guitarra é o comprimento da escala e que grande parte do que creditava ao tipo de junção do braço na verdade provém da primeira característica. Atualizando, então:
1ª - comprimento da escala
3ª - captadores
3ª – madeira do braço e da escala
4ª – madeira do corpo
Mas como comprimento da escala interfere tanto no som?
Para isso recomendo a leitura deste post, mais uma vez do blog Loucos Por Guitarra, e do qual retirei imagens que aqui estão.
No universo Fender – Gibson existem dois comprimentos de escala: 25.5” (Fender) e 24.75” (Gibson). A primeira diferença nítida nesta característica é que os trastes são mais próximos na Gibson, obviamente, e a tensão das cordas é menor. Voltando à física de colegial: quando a corda vibra, a frequência emitida é determinada pelo comprimento da corda (distância entre o nut ou traste da casa tocada e a ponte) e pela tensão dela. Quanto menor a tensão (drop tuning, por exemplo) ou maior o comprimento (casas menores, por exemplo) menor a frequência (mais grave) e vice-versa. Isso explica uma tensão menor, para a mesma afinação, nas cordas em uma Gibson, que tem comprimento menor de escala. A tensão maior é muito mais uma questão de pegada, pois, apesar de destacar os agudos, é muito mais sutil do que outra consequência do comprimento da escala que será tratada aqui.
Acontece que não é apenas a frequência principal que é emitida por uma corda, e sim várias outras que são múltiplas dela, chamadas harmônicos (mais agudas, de menor comprimento de onda) e que são a chave do timbre. Instrumentos diferentes destacam harmônicos diferentes e que, por consequência, nos permite diferenciar um Lá de um piano e de um violão, por exemplo.
Como mostra o desenho acima, esses harmônicos aparecem com amplitude (volume da frequência) diferentes dependendo da região da corda, ou seja, são mais perceptíveis em diferentes regiões dela. Por isso, que captadores da ponte e do braço apresentam timbres tão distintos. (1) O comprimento da escala, então, determina qual a distância entre essas regiões, quanto menor, mais juntas e vice-versa. Assim, para uma mesma região, o conjunto dos volumes dos diferentes harmônicos, que nós entendemos como timbre, será muito diferente se o comprimento das escalas analisadas também o for.
(2) Seguindo essa lógica, quanto maior a região analisada, maior será a amplitude de graves. Isso acontece porque o comprimento de onda das frequências mais altas (comprimento de onda menor) é geralmente menor que o comprimento da região analisada, de forma que estaremos captando nela tanto amplitudes maiores (picos e vales) quanto menores (nós) destas frequências, algo que não se aplica para frequências graves.
(3) Por fim, outro fator que corrobora com essa diferença é o tamanho do captador, pois suas dimensões determinam a área da corda, ou região, que será captada. 
A partir destas três afirmações conseguimos entender melhor porque as Fender soam mais abertas/ magras/ agudas e as Gibson mais fechadas/ gordas/ graves. Nas Fender, o comprimento de escala é maior (harmônicos estão mais espaçados = timbre mais aberto), o captador é menor (região menor = menos graves captados) e single (agudos). Nas Gibson o comprimento de escala é menor (harmônicos estão mais juntos = timbre mais fechado), o captador é  maior (região maior = mais graves captados) e humbucker (mais graves). 
Não à toa, quando Seth Love foi chamado pela Fender para desenvolver uma versão de humbucker para a marca, optou por um captador de dimensões maiores que os humbucker que havia desenvolvido para as Gibson, pois a escala 25.5", de harmônicos mais espaçados, necessita de uma região de captação maior para obter os mesmo harmônicos da escala 24.75" da Gibson.

Wide Range Humbucker (à esquerda, desenvolvido por Seth Love à Fender) e humbucker comum (à direita - desenvolvido por Seth Love à Gibson)
O comprimento da escala, portanto, é, ao meu ver, o item mais importante no timbre de uma guitarra. Peço perdão pela má redação da lógica física por detrás, mas qualquer dúvida estamos à disposição.

Até o próximo post!